segunda-feira, 22 de novembro de 2010



Espiritualidade no cotidiano


Conciliar a espiritualidade com o cotidiano é sempre um desafio em praticamente todas as culturas. No Ocidente, a dificuldade está ligada sobretudo a nossa cultura consumista, que encoraja as pessoas a buscar a gratificação imediata e externa, como uma roupa da moda ou um carro importado. Essa ânsia de satisfação leva a maioria dos ocidentais, quando muito, a reservar à espiritualidade breves momentos na semana, vivendo o resto do tempo como se as idéias de sua crença religiosa, moral e ética de pouco ou nada valessem. Mas não adianta fugir do cotidiano. Atos aparentemente triviais, como pagar contas, ir ao trabalho e levar filhos à escola, têm relevância espiritual. E estar consciente disso também é um fator de aperfeiçoamento. Gandhi (1869-1948), líder político e espiritual hindu, observou: "Não dá para acertar num departamento da vida e continuar errando em outro. A vida é um todo indivisível."

Família e dinheiro

Encarar esses setores da existência revela nossos pontos fracos, e enfrentá-los nos faz crescer interiormente. A família, por exemplo, é um prato cheio. As tradições espirituais sublinham a importância da tolerância, do respeito e do despir-se de preconceitos e expectativas para ver a vida como ela é, e não há lugar melhor para essa prática do que o lar. "Se cuidarmos bem das relações com a família, a maior parte de nossa tarefa na vida terá sido cumprida", assinala Martha Gallego Thomaz, que tem cinco filhos, 14 netos, 14 bisnetos e é dirigente do Grupo Noel, instituição espírita de São Paulo. Outro ponto-chave é o dinheiro. Essa energia de troca é um grande professor no caminho espiritual - para o mal e para o bem. A supervalorização do dinheiro no Ocidente desemboca na ganância, na avareza, no medo da escassez. Visto de forma espiritualmente sadia, porém, ele é um meio de difundir prosperidade, recompensa o trabalho feito com amor e, como energia, nunca deve ficar estagnado.

Viver no presente

Para entrar em contato com a espiritualidade no cotidiano, é fundamental desenvolver o que o budismo chama de atenção plena. Segundo o escritor e educador americano David Spangler, essa observação cuidadosa e sem julgamento do que acontece a cada instante nos conduz a uma profunda consciência, que nos dá novas percepções sobre o mundo e sobre nós mesmos. Com a atenção plena, podemos agir no presente com maior espontaneidade e liberdade. Spangler dá alguns exemplos de como desenvolver essa habilidade.

  • Pagar as contas - As preocupações e o medo de perder dinheiro ou de que ele falte nos remetem a um sistema de crenças que limita nossa relação com a abundância. Desativar esses temores é uma forma de mudar a programação mental, o que permite pagar contas como uma troca saudável e não sofrida.
  • Ir ao supermercado - Comprar conscientemente é encantar-se com a diversidade de mercadorias e exercitar o discernimento, escolhendo, por exemplo, produtos que preservem o meio ambiente ou comprando nas quantidades adequadas para que nada estrague. Essa atividade corriqueira pode ser percebida como uma gigantesca rede de distribuição, feita com o trabalho de milhares de pessoas para que os produtos possam chegar ao seu bairro.
  • Educar os filhos - Em vez de impor restrições constantes à criança, perceba suas características positivas. Quando seu filho resolve problemas que pareciam estar além de sua capacidade ou partilha brinquedos sem receber ordem para isso, ele merece um elogio.

    Ao descobrir a espiritualidade no cotidiano, a pessoa passa a ter muito mais ferramentas para se equilibrar e mudar seu futuro. A vida continuará com sucessos e fracassos, mas a mente aprende, sem se perturbar, a extrair lições de todas essas situações. "Em tudo que uma pessoa faz é possível criar e manter um estado de ser que reflita nosso verdadeiro destino", lembra o psicólogo alemão Karlfried Graf von Dürckheim em Daily Life as Spiritual Exercise. "Quando essa possibilidade é posta em prática, o dia comum não é mais comum. Ele se torna uma aventura do espírito."

    Exercícios de atenção plena

    Condição fundamental para o desenvolvimento da espiritualidade no dia-a-dia, os exercícios que fortalecem a atenção plena - ou seja, estar consciente do que acontece no momento presente - colocam o praticante num estado mental equilibrado e focado. Essa prática pode ser aplicada a qualquer atividade (no trabalho, dirigindo, comendo, andando), basta estar concentrado nesse propósito. Conheça a seguir alguns desses exercícios, extraídos do livro The Miracle of Mindfulness: A Manual on Meditation, do monge vietnamita Thich Nhat Hanh:

  • Lavando a louça - Faça isso relaxadamente, como se cada panela, copo, garfo, fosse um objeto de contemplação, uma peça sagrada. Inspire e expire profundamente e controle sua respiração para evitar que a mente se distraia. Não tente acelerar o ritmo para terminar a tarefa mais cedo. Encare a tarefa como a coisa mais importante da vida. Lavar os pratos é meditação. Se você não consegue lavar os pratos com consciência plena, tampouco pode meditar sentado em silêncio.
  • Preparando o chá - Faça cada movimento lentamente, com plena consciência dele. Perceba que sua mão levanta o bule pela asa, que você está despejando o chá perfumado na xícara. Siga cada passo com atenção. Respire suavemente e de forma mais profunda que a habitual. Controle sua respiração caso sua mente tenda a se distrair. Sirva com gentileza aos amigos ou saborei-o sozinho, sentindo o cheiro, a temperatura etc.
  • Posições do corpo - Isso pode ser praticado em qualquer hora e lugar. Preste atenção em sua respiração. Inspire e expire de modo mais profundo que o habitual. Esteja consciente da posição do seu corpo: se você está andando, de pé, deitado, acelerado ou lento. Perceba como é a superfície onde pisa, onde está deitado ou onde está sentado. Preste atenção em cada detalhe da postura e do seu entorno. Por exemplo, você poderia estar consciente de que está de pé numa colina verdejante para refrescar-se, praticar exercícios ou simplesmente apreciar a paisagem. Se não há nenhuma finalidade, apenas constate que não existe esse objetivo.

  • Texto:Eduardo Araia

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